terça-feira, 18 de maio de 2010

Fernando Pessoa, tópicos

Fernando Pessoa ortónimo
 obsessão da análise racional
 intelectualização e ausência de sentimento
 choque entre o que sente e o que pensa, entre o sentimento e a sua expressão racional
 oposição entre sinceridade/fingimento, sentir/pensar, vontade/pensamento
 fragmentação do Eu
 negativismo: tédio e decepção, dor de pensar
 nostalgia da infância, inveja de entes ou situações marcados pela inconsciência
 musicalidade e ritmo (quadra popular/rima interna)
 paradoxos e oxímoros

Fernando Pessoa – o poeta da “Mensagem”
 intuição de um destino colectivo e épico para Portugal
 renovação de mitos/sebastianismo
 uso de símbolos
 referência, directa ou simbólica, das qualidades do povo português (predestinado por Deus, com capacidades visionárias, capaz de concretizar o que sonha)

Alberto Caeiro
 objectivismo: recusa de tudo o que pertença ao sujeito (sentimentos, emoções, intelectualizações)
 sensacionismo físico: contacto com o real através dos cinco sentidos, com predominância da visão (poeta do olhar)
 poeta antimetafísico (desenvolve um metafísica da antimetafísica): recusa de pensar, de qualquer mistério ou misticismo do mundo
 panteísmo naturalista: paganismo, concepção de uma divindade plural presente em todos os elementos da natureza
 verso livre, métrica e estrofação irregulares, acompanhando a linha do pensamento
 linguagem simples: vocabulário corrente e ligado ao real objectivo (sobretudo ao campo lexical da Natureza), tom coloquial, adjectivação objectiva (descritiva)

Ricardo Reis
 epicurismo: fruição dos prazeres simples (geralmente ligados à natureza física)
 estoicismo: ataraxia (tranquilidade para evitar a perturbação), moderação nos prazeres para evitar a dor, autodisciplina, recusa de lutar ou tentar compreender; aceitação do destino, indiferença perante as paixões e a dor
 paganismo: referência a divindades greco-romanas (os deuses no Olimpo, distantes do Homem)
 preceitos horacianos: "carpe diem" e "aurea mediocritas"
 uso de métrica e estrofação regulares (a ode)
 verso branco (sem rima)
 linguagem culta, com frequentes latinismos
 uso do hipérbato (alteração na ordem lógica da frase)

Álvaro de Campos (2ª fase)
 futurismo: elogio da civilização, fascínio pela máquina e pela tecnologia; atitude pouco convencional, escandalosa
 sensacionismo extremo (“sentir tudo de todas as maneiras”): presença de todos os dados dos cinco sentidos, identificação com as máquinas/a modernidade, mistura de dados objectivos e subjectivos
 verso livre, em geral longo, métrica e estrofação irregulares
 onomatopeias e sinestesias complexas
 mistura de níveis de língua, enumerações, exclamações, interjeições

Saudosismo e sebastianismo no início do século XX

Nos finais do século XIX e inícios do século XX, assiste-se a uma reacção nacionalista de alguns sectores da cultura e literatura portuguesas, como tentativa de resposta a vários factores sociais, culturais e políticos que tinham em comum a degradação da imagem do país: a humilhação do Ultimato e a partilha de África – fazendo perder à burguesia as esperanças de grandeza e riqueza oriundas do Ultramar – levam a uma evocação do glorioso passado nacional; no campo literário esta reacção traduz-se sobretudo pela recusa de submissão a modelos estrangeiros como os que vinham gradualmente a impor-se em Portugal, como era o caso do realismo, do simbolismo ou do parnasianismo. Os objectivos deste movimento eram essencialmente prosseguir o percurso iniciado por Garrett ao ressuscitar uma literatura de fundo e forma nacionais (daí o nome de neo-garrettismo para um movimento que também foi conhecido como nacionalismo ou tradicionalismo); preconiza-se portanto a objectivação e louvor da História de Portugal, das paisagens nacionais, da simplicidade do viver rural e da mentalidade do povo, devendo a literatura reflectir a cultura genuinamente portuguesa e evitar a sua adulteração.
Na esteira deste movimento nacionalista pode notar-se, logo após a proclamação da República, a “Renascença Portuguesa”, sociedade literária fundada no Porto por Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Álvaro Pinto e Leonardo Coimbra, tendo como órgão de comunicação a revista A Águia, de que Teixeira de Pascoaes é director na sua segunda série. Pascoaes desenvolve uma filosofia ético-psicológica da raça lusa, elo de ligação entre o passado e o futuro. Observando a literatura culta e a literatura popular do passado, Pascoaes detecta uma atitude típica do português perante a vida: a saudade que faz reagir o homem, que o faz sofrer por se sentir imperfeito, que o leva a desejar a pura vida espiritual e à realização daquilo que ainda não foi conseguido – é uma nostalgia do que se deseja ter ou ser.
A Águia apresenta como principais tendências o saudosismo, movimento literário que considera a saudade – sustentáculo do ser contingente, aquilo que o activa - a principal característica do povo português, considerando que o momento presente mal existe: vivemos do passado que já foi e do futuro que está para vir; vive-se do passado pela lembrança e do futuro pela esperança; o simbolismo, que se pauta sobretudo pelo distanciamento do real e pela análise de cambiantes sensoriais e afectivos, repudiando o lirismo da confissão directa ao estilo romântico; o sebastianismo, mito gerado em volta da figura de D. Sebastião, cujo regresso simbólico se associa a um elevado destino a cumprir; e o neo-garrettismo.

O primeiro modernismo e a revista "Orfeu"

Na segunda década do século XX, surge uma tentativa de renovação da poesia portuguesa,no seio de um movimento de vanguarda impulsionado e liderado pelos mentores do Orpheu, revista literária que concretiza os projectos literários de Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro depois das suas dissidências da Águia. Em 1913, Sá Carneiro publica os poemas da Dispersão e Pessoa compõe "Paúis" (só mais tarde publicado), relacionando-se com Almada Negreiros e abordando em conjunto uma nova estética literária – e uma nova revista que possa ser a sua voz. Irão consegui-lo em 1915, com a publicação do Orpheu que, a par de alguma teoria estética do modernismo, apresenta já alguns exemplares de paulismo e interseccionismo, a par de outros que podem considerar-se decadentistas.
A crítica à nova revista foi violentíssima, mas os seus mentores publicaram ainda um segundo número, não chegando o terceiro a ser publicado por dificuldades financeiras. No entanto, a actividade deste grupo modernista continua a manifestar-se em publicações de curta duração, como Centauro, Portugal Futurista ou Contemporânea. Inicialmente manifestando vestígios de estética decadentista ou simbolista, rapidamente evoluiu para estéticas de vanguarda como o paulismo, o interseccionismo ou o futurismo.

Contexto sócio cultural do início do século XX

O início do século caracteriza-se por uma instabilidade social, política e económica decorrente da instauração da República (1910) e das questões que a ela levaram.
Assinale-se assim como factores principais a corrida à colonização de África que resulta, para Portugal, no Ultimato (1890), profunda humilhação para os sentimentos nacionais, bem como os sucessivos problemas económicos e sociais resultantes da industrialização dependente de capitais estrangeiros e dos movimentos reivindicativos do operariado. Mais tarde, a entrada de Portugal na primeira Guerra Mundial (1914-1918) vem agravar a situação; no plano ideológico nota-se então um profundo sentimento nacionalista, a par de uma corrente fortemente positivista e idealista.
No plano literário, fazem-se ainda sentir influências simbolistas e decadentistas, enquanto matura já o que se chamará o modernismo: o saudosismo de Teixeira de Pascoaes encontra a sua expressão na Renascença Portuguesa, a par com as outras tendências citadas, continuando-se na revista Águia.
O modernismo cedo se faz anunciar, dissidindo das tendências acima apontadas, com a saída de Fernando Pessoa da Águia e a criação do Orpheu, projecto vanguardista que agita a vida cultural portuguesa. Entre os mais activos intelectuais do grupo encontram-se, para além de Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor, que introduziram as novidades plásticas e literárias de futurismo. Ao Orpheu, de publicação efémera (2 números) seguiram-se outras publicações como o Centauro, Ícaro, Portugal Futurista e Athena.

Ortónimo e heterónimos

Como explica em carta a Adolfo Casais Monteiro, Fernando Pessoa sente desde cedo necessidade de criar diversas personalidades poéticas para exprimir diferentes estéticas literárias, chegando ao ponto de atribuir biografias a essas diversas personalidades.
Para além dos numerosos pseudónimos da juventude como e de semi-heterónimos como o prosador Bernardo Soares, as personalidades poéticas de Pessoa incluem o ortónimo (Fernando Pessoa ele próprio) Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
O poeta ortónimo, Fernando Pessoa, apresenta como principal característica a intelectualização na análise do real – seja este o real físico ou as realidades psíquicas decorrentes dessa análise – sendo notória a “dor de pensar” provocada por este tipo de actividade. Recusa o sentimento e manifesta com frequência a frustração decorrente de não conseguir abarcar de forma racional e lúcida a realidade envolvente. Isto leva-o a uma frequente nostalgia da infância como idade da inocência, ou a invejar a inocência e a espontaneidade de personagens ou acções de outrem. Os motivos centrais da sua poesia são a expressão do carácter ilusório de tudo o que o rodeia, a obsessão de ser e de se conhecer, a fugacidade e inefabilidade do momento, a melancolia. O seu estilo é elaborado, marcado pelo raciocínio lógico e por vocabulário ligado ao campo semântico da reflexão – como, adicionalmente, ao da frustração e dor.
Alberto Caeiro, metaforicamente pastor, cujas habilitações literárias não vão além da instrução primária, é o poeta da simplicidade da natureza, do real e do objectivo, dos sentidos por excelência; recusa a intelectualização da poesia por considerar que a relação com o real se efectua apenas através dos sentidos, sobretudo o da visão (não pensa, ou melhor, pensa vendo) – intelectualizar é uma operação que pressupõe falar de si próprio e não da realidade que o rodeia. É um pagão cujo animismo panteísta implica um estatuto de igualdade com os outros elementos da natureza, embora confesse por vezes não ser tão natural como quereria, não resistindo à tentação da abstracção. Utiliza uma linguagem simples, ligada ao real físico (muito particularmente por via do campo lexical da Natureza), oralizante e marcada por vocabulário essencialmente denotativo e ligado à percepção física, em verso irregular que reproduz o simples fluir do pensamento. É um anti-metafísico que aceita o mundo tal qual ele é, sem o questionar.
Ricardo Reis, médico educado num colégio de jesuítas, conhece o latim e o grego e é um poeta de cariz clássico, a nível temático como a nível formal. O seu paganismo é diverso do de Caeiro, na medida em que situa os deuses num Olimpo distante do mundo dos homens, sendo estes sobretudo governados por um Destino a que não podem eximir-se; a constatação da fugacidade da vida e da inutilidade das acções humanas integram-se numa estética epicurista e estóica que o leva a recusar a acção e o desejo, de acordo com um carpe diem de extracção clássica. Tem assim um programa de vida que o leva a “contemplar o espectáculo da Natureza”, embora essa contemplação implique a inevitável comparação dessa Natureza, perene, com a fugacidade da própria existência. O seu estilo é marcadamente clássico, com vocabulário erudito, sintaxe latinizante e frequentes hipérbatos, referências mitológicas e versos equilibrados e cuidadosamente elaborados.

Mensagem, síntese

A "Mensagem", de Fernando Pessoa, é uma transformação poética dos mitos sebastianista e do Quinto Império, uma vez que não apela já à vinda de uma figura concreta que salve o país da decadência iniciada em Alcácer-Quibir, mas sim à projecção no futuro das qualidades demonstradas pelos portugueses ao longo da sua história.
A obra divide-se em três partes, apresentando a primeira as figuras míticas e históricas fundamentais da nacionalidade portuguesa, a começar pela de Ulisses. Esta primeira parte tem o nome de “Brasão” e assinala as marcas que ao longo dos tempos foram sendo inscritas na alma portuguesa. O brasão (ou emblema) de Portugal apresenta-se assim organizado em dois campos (“O dos Castelos”, com sete figuras, e “O das Quinas”, com cinco) e uma coroa (uma figura), integrando ainda um timbre constituído pela imagem de um grifo (três figuras, constituindo a cabeça e cada uma das asas desta figura mitológica).
A segunda parte, “Mar Português” refere e analisa personagens, episódios e tópicos ligados à época dos Descobrimentos (já que o domínio físico do mundo revelou qualidades psíquicas e morais capazes de fazer de Portugal o líder do mundo ocidental, desta vez por via espiritual). Esta segunda parte, organizada em doze poemas, percorre os símbolos e episódios da ascensão e queda do império marítimo, terminando com uma “Prece”.
Na terceira parte, “O Encoberto” são apresentados os mitos essenciais na formação da alma nacional (“Os Símbolos”, todos eles centrados na renovação e no ressurgimento: o de D. Sebastião, o do Quinto Império, o do Santo Graal, o das Ilhas Afortunadas e o do Encoberto), os profetas do ressurgimento (“Os Avisos” do Bandarra, do Padre António Vieira e do próprio poeta da Mensagem), sendo finalmente apresentadas como já concluídas as etapas necessárias a esse ressurgimento (“Os Tempos”: Noite, Tormenta, Calma, Antemanhã e Nevoeiro).

Álvaro de Campos

De acordo com a biografia que Pessoa elaborou para cada um dos heterónimos, Álvaro de Campos nasceu em Tavira e formou-se em engenharia naval em Glasgow. É portanto um homem com uma profissão ligada à modernidade, um cosmopolita conhecedor da civilização, das máquinas.
Numa primeira fase, Álvaro de Campos surge marcado pelo decadentismo, em poemas como “Opiário”, supostamente escrito numa viagem ao Oriente. Nesta fase demonstra a morbidez snob de um saturado da civilização, a embriaguez do ópio e dos sonhos onde não existe o tédio do quotidiano.
A segunda fase de Campos é dominada pelo futurismo, movimento iniciado por Marinetti no início do século XX e marcado pela luta contra a tradição, a cultura feita e glorificando um novo homem, saudável livre e amoral, uma expressão que inclui o verso libre e a recusa de todas as convenções poéticas; distingue-se nesta tendência o americano Walt Whitman. Álvaro de campos surge nesta fase como o cantor da modernidade, da civilização, da velocidade, técnica e força da máquina e da diversidade da vida moderna, com um sensacionismo extremo que pretende “sentir tudo de todas as maneiras”, sendo disso exemplo a “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima”.
A terceira fase deste heterónimo (1916-1935) mostra, em poemas como “Tabacaria”, “Dactilografia” ou “Lisbon Revisited”, um poeta pessimista, cansado da vida, consciente da inutilidade de todos os esforços feitos ao longo da sua existência e revelando uma nostalgia do tempo da infância, da inocência, do tempo em que não reflectia sobre o mundo, o que seria a causa última de todo esse pessimismo e cansaço.