domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mensagem – intertextualidade com Os Lusíadas

Num artigos de "A Águia" sobre a nova poesia portuguesa, Pessoa sustenta que “a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova que não existe no espaço” e que “a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal antearremedo” de um “verdadeiro e supremo destino” da Raça Portuguesa. Assim, a "Mensagem" mantém um constante diálogo com "Os Lusíadas", instituindo em simultâneo o seu criador – o próprio Pessoa - como um “Supra-Camões” capaz de guiar poeticamente a alma lusitana para a liderança de um Quinto Império de teor espiritual.
Transfiguração poética dos Descobrimentos e do mito sebastianista, a Mensagem apresenta D. Sebastião não como “segurança/da lusitana antiga liberdade” ("Os Lusíadas", I, 6), mas como entidade representante da “loucura” que torna o Homem imortal, que faz dele mais que uma “besta sadia”. Na "Mensagem", Alcácer-Quibir não representa o final do Império Português no mundo, mas apenas a verificação de uma qualidade da alma nacional como a “febre de além” do Infante D. Fernando ou “o som presente do mar futuro” dos cantares de D. Dinis; no caso deste último, o importante na "Mensagem" não são as “fortalezas e castelos mui seguros” que caracterizam este rei em Os Lusíadas (III, 98), mas sobretudo a sua capacidade visionária, de poeta e sonhador.
Portugal surge assim em "Os Lusíadas" como “cabeça/da Europa toda”(III, 20), enquanto que na "Mensagem" ele é o “rosto” da Europa, fitando o “futuro do passado” (“O dos castelos”), olhando para uma grandeza futura que não é já material. No poema “O Infante” o poeta da "Mensagem" afirma que “o Império se desfez” e que “falta cumprir Portugal”. Na "Mensagem", a recompensa conseguida pelos que desvendam um mar agora metafórico é apenas espiritual e constituída pelos “beijos merecidos da verdade” (“Horizonte”), enquanto as recompensas proporcionadas aos nautas na Ilha dos Amores de "Os Lusíadas" (X, 80) são físicas (os deleites de todos os sentidos) e espirituais (a visão da “grande máquina do mundo”).
“O Mostrengo” da "Mensagem" e o Gigante Adamastor de "Os Lusíadas" cumprem diferentes funções numa e noutra das obras, já que ao segundo cumpre a profecia de todos os males futuros decorrentes da expansão ultramarina, enquanto que o primeiro se apresenta apenas como um medo a ultrapassar pela “vontade de um povo”. Em paralelo, os vaticínios do Velho do Restelo de que essa expansão trará “morte”, perigos”, tormentas”, sendo “fonte de desamparos e adultérios” recebem resposta em “Mar Português”, de "Mensagem": relativamente a “quantas mães choraram / quantos filhos em vão rezaram / quantas noivas ficaram por casar”, o poeta da "Mensagem" considera que “tudo vale a pena/se a alma não é pequena”.
Assim, a "Mensagem" constata uma depressão da alma nacional da qual ressurgirá a Raça Portuguesa pelo renascimento das qualidades demonstradas ao longo dos séculos. No penúltimo poema da obra, “Antemanhã”, o mostrengo (simbolizando os medos e as hesitações) representa apenas um pesadelo que fará finalmente acordar “Aquele que está dormindo / e foi outrora Senhor do Mar”.
Apesar das óbvias diferenças, as duas obras partilham uma visão negativa do povo português, visível no final de uma e de outra. O último poema da "Mensagem", “Nevoeiro”, mostra “Portugal a entristecer / brilho sem luz e sem arder”; de forma semelhante, o poeta de "Os Lusíadas" termina a sua obra assinalando o contraste entre o valor da gente lusa (“Olhai que sois [...] senhor só de vassalos excelentes” - "Os Lusíadas", X, 146) e o esmorecimento da pátria “que está metida / no gosto da cobiça e na rudeza / De uma austera, apagada e vil tristeza” (Os Lusíadas, X, 145).

Sem comentários:

Enviar um comentário