segunda-feira, 19 de abril de 2010

Os Lusíadas

Reflexões do poeta

Em Os Lusíadas, o plano das reflexões do poeta constitui-se, de um modo geral, como oportunidade de crítica ao ser humano em geral e ao povo português em particular, pelo que esta obra de Camões apresenta, apesar da sua dimensão épica, uma visão negativa do Homem e da sociedade portuguesa.
De facto, logo no Canto I, o poeta compara os perigos do mar (“tanta tormenta e tanto dano”) com os de uma humanidade marcada pela traição (“tanta guerra, tanto engenho”); o “fraco humano”, “bicho da terra tão pequeno”, não pode defender-se deste destino, que é o da humanidade.
No final do Canto V, o poeta lamenta a pouca importância que os portugueses conferem à arte, sobretudo à da poesia: qualquer um dos capitães da Antiguidade (César, Cipião, Alexandre) foi simultaneamente “douto e ciente”, sendo Portugal a única nação em que tal não sucede, “porque quem não sabe arte, não na estima”. O poeta critica também a degradação dos costumes ligada aos Descobrimentos, salientando, no Canto VI, que a fama, a honra – e o conhecimento – se alcançam com esforço e sofrimento (“hórridos perigos, / trabalhos graves e temores”) e não pelo gozo dos prazeres (“passeios moles e ociosos” e “vários deleites”).
Na sequência destas reflexões, o poeta queixa-se, no canto VII, da falta de gratidão dos portugueses: o poeta engrandece-os e traz-lhes fama (“faz, cantando, gloriosos”), mas não recebe o reconhecimento merecido (“que exemplos a futuros escritores […]!”); refere ainda os que não merecem louvor, entre os quais se contam os “ambiciosos”, que desejam “subir a grandes cargos”, e os que se dedicam a “roubar e despir o pobre povo”. No canto VIII, o poeta exemplifica os malefícios causados ao Homem pela ambição material, pelo “vil interesse” e pela sede “do dinheiro, que a tudo nos obriga”.
No canto IX e a propósito da recompensa dos navegadores, o poeta afirma que os deuses da mitologia clássica eram humanos que se elevaram acima da condição humana pelos seus feitos, indicando quais os defeitos que impedem essa ascensão: o ócio, a cobiça, a ambição, a tirania, devem dar lugar a leis justas e iguais para todos e à luta pela Fé. Só assim poderão ser “entre os heróis esclarecidos / e nesta ilha de Vénus recebidos”).
No final do Canto X, o poeta resume as queixas precedentes: não cantará mais a esta “gente surda e endurecida” que não o ouve nem lhe dá valor; a pátria portuguesa, caracterizada por uma “austera, apagada e vil tristeza”, não merece já ser objecto da obra épica.

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